domingo, 12 de junho de 2011

"Marcha das Vadias", em São Paulo, critica o machismo

Por: Redação da Rede Brasil Atual
Publicado em 04/06/2011, 19:15




"Marcha das Vadias", em São Paulo, critica o machismo
Cartazes criticando o sentimento de propriedade sobre o corpo feminino e ideias para ridicularizar o machismo deram o tom do protesto (Foto: Danilo Ramos)

São Paulo – Centenas de mulheres se reuniram neste sábado (4) na capital paulista para uma manifestação contra o machismo. A "Marcha das Vadias" teve origem no Canadá, há um mês, quando um policial afirmou que as meninas deveriam se vestir de maneira recatada para não provocar estupradores.
Desde então, o evento já se repetiu em diversas partes do mundo. Agora, na primeira edição no Brasil, as mulheres reafirmaram que o corpo não é mercadoria nem propriedade, com faixas bem humoradas e com críticas aos machistas.


AS VADIAS BRASILEIRAS SÃO OBRA DO (M)ACHISMOA orga­ni­za­dora da Marcha das Vadias no Brasil fala da orga­ni­za­ção e de como por aqui, a dis­cri­mi­na­ção sem­pre foi com­bus­tí­vel para fazer uma pas­se­ata

Por Juliana DiasDa Revista O Grito!, em São Paulo

A Marcha das Vadias, ver­são bra­si­leira da SlutWalk que ocor­reu no Canadá e já pas­sou pela Argentina, Estados Unidos, Inglaterra, Holanda e Nova Zelândia, che­gou ao Brasil e pro­me­teu levar mais de seis mil pes­soas à Avenida Paulista para pro­tes­tar con­tra o machismo e a culpa atri­buída às mulhe­res em casos de estu­pro — mas teve 300 pre­sen­tes na Marcha, segundo a Polícia Militar
A pri­meira Slutwalk acon­te­ceu no iní­cio do ano de 2011 em Toronto, no Canadá. Durante uma pales­tra sobre segu­rança em uma uni­ver­si­dade, um poli­cial disse que as estu­dan­tes deve­riam evi­tar se ves­tir como vadias (sluts) para não serem esco­lhi­das para o estu­pro. Depois, veio a res­posta: as mulhe­res cana­den­ses colo­ca­ram a banda (e o corpo) na rua para dizer que sim, podem se ves­tir como qui­ser, e a culpa dos abu­sos sexu­ais e estu­pros é do agres­sor, não da roupa que elas colocam.
No Brasil, o evento che­gou em junho e Solange De-Ré, que criou a mar­cha com o noivo e artista musi­cal Edu Udek (42) e a amiga e publi­ci­tá­ria Madô Lopez (28). Informados da SlutWalk cana­dense, eles resol­ve­ram implan­tar essa ideia no Brasil. “Esperávamos de 50 a 100 pes­soas. Quando vimos, deram duas mil. Daí veio a neces­si­dade de maior orga­ni­za­ção: cui­da­mos do poli­ci­a­mento e da cober­tura da mídia, para dei­xar o evento o mais bem divul­gado e pací­fico pos­sí­vel”, conta Solange. Tudo foi divul­gado no Facebook e, um dia antes de acon­te­cer, o evento con­tava com mais de seis mil confirmados. No sábado, dia 04, em que acon­te­ceu a SlutWalk bra­si­leira, foram 300 pes­soas, segundo da Polícia. Junto ao Brasil Chicago e Los Angeles (EUA), Edmonton (Canadá), Estocolmo (Suécia), Amsterdã (Holanda) e Edimburgo (Escócia) tam­bém rea­li­za­ram a cami­nhada. A reper­cus­são no exte­rior, no entanto, foi muito maior.
Na vés­pera da mar­cha bra­si­leira, em entre­vista à Revista O Grito!, Solange De-Ré con­tou sobre suas ideias e, claro, sobre a Marcha das Vadias.

“Vadia” não é uma pala­vra muito forte?
É. Mas que­ría­mos tra­du­zir a SlutWalk para o por­tu­guês. Quisemos ir a fundo no sen­tido e uti­li­zar a pala­vra que mais tinha a ver com o nosso idi­oma e repre­sen­tava o que mui­tos bra­si­lei­ros acham das mulhe­res que se ves­tem de forma mais pro­vo­cante: umas vaga­bun­das acéfalas.

Quais as prin­ci­pais ideias que a Marcha defende?
Defende que a mulher, inde­pen­dente de como se veste, merece res­peito. Devemos aca­bar com essa cul­tura da vio­lên­cia à mulher, da culpa pelo estu­pro. E tam­bém a opres­são. As pes­soas ficam ini­bindo as outras por causa do pre­con­ceito. Se, por exem­plo, uma guria usa um ves­tido mais colado e a outra já sente ciúme do namo­rado e chama de vadia. Temos de repen­sar isso. Reconsiderar os nos­sos jul­ga­men­tos, até para mudar nossa pos­tura. Só temos de res­pei­tar, aí, o limite do aten­tado ao pudor [risos].
Como você defi­ni­ria a Marcha das Vadias?
Não é rea­lity show nem car­na­val. Organizamos a mar­cha para deba­ter o machismo que atinge a soci­e­dade bra­si­leira e algo por qual toda mulher bra­si­leira já pas­sou: uma piada ou o pre­con­ceito por mos­trar mais do seu corpo. Não é como no Canadá, em que o poli­cial foi lá e disse o con­ceito de mulher estu­prá­vel. Aqui esses con­cei­tos acon­te­cem todo dia, den­tro da nossa cabeça. Nós [as orga­ni­za­do­ras] já dis­cu­tía­mos essas ques­tões, pois sofre­mos com dis­cri­mi­na­ção com as nos­sas rou­pas desde sem­pre. A Marcha foi uma opor­tu­ni­dade de colo­car no mundo o que con­ver­sa­mos entre nós. Quando uma mulher usa uma roupa mais colada, vêm logo os comen­tá­rios, e isso acon­tece muito, todo dia. Até parece que é a roupa que faz o estu­pro. Não é assim. O estu­pro vem da psi­co­lo­gia do estu­pra­dor. Independente da roupa, ele quer ver a mulher humi­lhada, sen­tindo dor e horror.
Você acha que a Marcha ape­nas pegou carona na onda de outras mani­fes­ta­ções?
Acredito que ela veio pela von­tade de levan­tar poeira, pela neces­si­dade de ir à rua. Tanto é que ela não está ligada a nenhum outro movi­mento que está rolando [como a Marcha da Legalização da Maconha ou Liberdade de Expressão]. Nossas ori­gens [os três são do Sul] tam­bém con­tam muito. Vemos mui­tos exem­plos legais na his­tó­ria da nossa região. Acho que temos essa garra de lutar pelo que não con­cor­da­mos e pelo que está errado. Minha esta­dia recente no Chile tam­bém influ­en­ciou muito a criar o movi­mento. Lá, eles vão para a rua pro­tes­tar, nem que sejam 20 pes­soas. Não é à toa que tem a cidade limpa e bem menos cor­rup­ção — e eles se orgu­lham disso. Aqui, a Marcha das Vadias veio para falar de como os homens enxer­gam as mulhe­res, e de como as mulhe­res enxer­gam as pró­prias mulhe­res: com machismo e muito preconceito.
Existe algum caso que você des­ta­que aqui no Brasil ou um exem­plo mais pes­soal de machismo?
O caso Geisy é o mais mar­cante no Brasil. Até per­gun­ta­ram se essa mar­cha não tem a ver com ela, mas não. Até seria legal se ela par­ti­ci­passe, pois a Geisy pas­sou exa­ta­mente por isso. Fizeram todo aquele movi­mento por um ves­tido curto na facul­dade. De caso mais pes­soal, vemos exem­plos todos os dias. Eu des­ta­ca­ria uma vez em que um cara deu uma inves­tida pesada em mim. Sou escri­tora, blo­gueira, atriz e já posei nua. Justamente por eu ser cabeça aberta e ter mos­trado o corpo ele for­çou a barra, dizendo que só por­que eu me expus eu deve­ria dar para ele. Também posso citar minha pró­pria famí­lia: o tra­ta­mento da mulher é dife­rente. Fui cri­ada no Paraguai, onde nasci, tenho pais de cabeça aberta que cri­a­ram minhas duas irmãs e os meus três irmãos. E ima­gina, até nela tinham dife­ren­ças de tra­ta­mento. Os meni­nos tinham mais liber­dade que as meni­nas. Mamãe dizia que a mulher devia se con­ter mais e pare­cer qua­li­fi­cada, mesmo que os homens que arru­más­se­mos não fos­sem tão “qua­li­fi­ca­dos” assim.
O que seria ser qua­li­fi­cada? O oposto da vadia?
Ser vir­gem, ser com­por­tada. É aquela regra que cos­tu­ma­mos brin­car, a regra de três. Você tem que dizer que só ficou com três caras na vida: o pri­meiro foi um namo­rado de mui­tos anos, com quem foi quase casada; o segundo foi um cafa­jeste e o ter­ceiro foi aquele para quem você está conhe­cendo agora.
Vocês rece­be­ram muito apoio? E crí­ti­cas?
Até agora, temos rece­bido mais crí­ti­cas posi­ti­vas que nega­ti­vas. Mas um pro­testo assim vai ser mal rece­bido entre os libe­rais e mais ainda por con­ser­va­do­res. Para mim, feio mesmo é a cor­rup­ção, as coi­sas do nosso país que não fun­ci­o­nam. Não se mos­trar e pro­tes­tar nas ruas.
Uma dúvida que mui­tos colo­ca­ram no Facebook é “com que roupa eu vou?”. Alguém che­gou a dizer que vai nu ou algo do tipo?
Teve gente que disse que vai na Marcha de rou­pão, para abrir lá. Assim é demais. O Brasil gosta de levar as coi­sas com humor, o que é bom, mas temos a ten­dên­cia de tudo virar car­na­val. E essa mar­cha não é um cabaré ou uma piada do Casseta & Planeta. É uma mani­fes­ta­ção polí­tica que tem sig­ni­fi­cado. Vivemos em uma Hollywood Tupiniquim, onde apa­re­cer e tornar-se artista é melhor do que fazer alguma coisa que traga mudan­ças. Salvo algu­mas exce­ções, a mai­o­ria das pes­soas pre­fere apa­re­cer a agir de forma política. Eu, por exem­plo, ia de cami­seta, pen­sei em várias fan­ta­sias… mas eu deci­dir ir mesmo é de Solange. Roupa curta, decote, coladinha.

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