por Geórgia Alves
Clarice adivinhava o que o mundo vai aos poucos tecendo em fios da inexorável tensão de fatos. Sabia dizer – e registrar para sempre a regra máxima para os quequerem a felicidade: “não sacrifique o dia de hoje pelo de amanhã. Se você se sente infeliz agora, tome alguma providência agora, pois só na seqüência de agoras é que você existe.” Do mesmo modo, que previa a necessidade dos outros. Muitas vezes de quere – la ou fazê – la sofrer: como a menina ruiva que estudou com Clarice no Educandário João Barbalho.
“Eu já começara a adivinhar que ela me escolhera para eu sofrer, às vezes adivinho. Mas, adivinhando mesmo, às vezes aceito: como se quem quer me fazer sofrer esteja precisando danadamente que eu sofra.” (pág. 11,Felicidade Clandestina).
Clarice queria ler. E ali, queria um livro. Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato. E queria com uma força de se deixar sofrer e maltratar por isso. Um querer que fazia dela uma escrava em suas incessantes idas à casa da menina que fazia barulho com balas de açúcar... Até o dia que a mãe da tal criança é surpreendida com o sofrimento que as aprisionava. A menina por querer “em plano secreto (...) tranqüilo e diabólico” que Clarice sofresse e Clarice por querer O livro que “era um livro grosso, meu Deus, era um livro para se ficar vivendo com ele, comendo-o, dormindo-o”.
“Foi então que, finalmente se refazendo, disse firme e calma para a filha: você vai emprestar o livro agora mesmo. E para mim: “E você fica com o livro por quanto tempo quiser.” Entendem? Valia mais do que me dar o livro: “”pelo tempo que eu quisesse” é tudo o que uma pessoa, grande ou pequena, pode ter a ousadia de querer.” (idem.)
Clarice também quis em todos os momentos ser brasileira. Disse na entrevista a Affonso Romano e Marina Colasanti. E conseguiu depois da repercussão do primeiro livro, que pode não ter sido por completo recebido ou compreendido, mas foi uma conquista. “Ela fascinava seus amigos, escritores conhecidos, por morar no exterior naquela primeira metade do século passado”. Escreveu Otto Lara Resende numa carta. Foi por intermédio da carreira de jornalista do jornal A Noite, que Clarice publicou Perto do Coração Selvagem. Depois O Lustre, já morando no exterior. Segundo Teresa Monteiro, Clarice só passa a existir de fato quando volta ao Brasil em 1959, depois de uma longa temporada nos Estados Unidos”. Como cidadã brasileira.
claricelispector.com.br
GEÓRGIA ALVES é jornalista, especialista em literatura brasileira e colunista da INTERPOÉTICA
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