MIRÓ 5.0
por Raimundo de Moraes
Uma vez numa mesa de bar eu disse: Miró é um dos grandes poetas que surgiram no Recife nessas últimas décadas (a idade e a experiência vão nos permitindo fazer comentários enxeridos desse tipo). E uma pessoa disse: é verdade, ele tá na moda.
Eu não sei se o meu interlocutor entendeu o que eu quis dizer, ou só levou pro lado midiático da coisa. Alguém pode estar na moda e ser um blefe, uma porcaria.
O que não é o caso. Se as performances de João Flávio Cordeiro da Silva – que entrou para a eternidade da Poesia com o nome de Miró – fossem só uma porção de mogangas, como diz o matuto, acho que nem eu estaria aqui escrevendo este textinho e nem as plateias Brasis afora continuariam a aplaudir. A gente já estaria de saco cheio.
Mas o cabra da Muribeca completa 50 anos neste mês de agosto cuspindo fogo e escrevendo bem. Cacete, é muito bom ouvi-lo recitar, dizendo que Deus está pedalando numa bicicleta (e num outro poema ele pergunta se Deus é daltônico) e que o beija-flor está beijando flores artificiais que a mãe comprou na feira... E que o amor é um crime perfeito. E que merece um tiro quem inventou a bala. O cotidiano nos flagra e nos bate na cara nessa poesia que denuncia as contradições e as angústias daquilo que poderia ser e não é, daquilo que é mas que não poderia ser.
O poeta da Muribeca está na moda, sim, minha gente. Já virou filme, virou tese de mestrado, virou página de revista e de jornais. Não sei se vai virar marca de calcinha com poemas ilustrados pr’alguma gostosona usar e dizer: a poesia de Miró me toca profundamente... Mas o melhor de tudo isso é que ele conseguiu o que muita gente sonha: viver honestamente da arte que faz. Mascate dos livros, grande performático, figura da vez.
Neste mês de agosto ele completa 50 anos e, claro, com livro novo. O lançamento de Quase crônico é um acontecimento pra agitar a cidade e empolgar fãs-leitores. Vem com versos fortes, aquela dor aguda de tocar/mostrar mazelas, cenários e personagens que vemos por aí, personagens que somos, fragmentos de uma urbanidade violenta e que pactuamos ou no medo ou na indiferença.
Não dá pra escrever sobre esse Quase crônico sem citar por inteiro pelo menos um dos seus melhores poemas:
Deus não inventou nada
Quem inventou foi o Homem
Óculos escuros
Calça jeans de marca
Celular que filma
Enquanto o ladrão fica lhe filmando
Deus não inventou nada
Quem inventou foi o Homem
Essa urgência louca de ter um carro
E essa agonia besta de ter de brigar por causa de um time
Deus não inventou nada
Deus só jogou um monte de gente aqui dentro
E fez como Pilatos
Lavou as mãos
Só não sei com que sabão
Então, o que dizer mais? Vamos ler Mestre Miró, ler e aplaudir.
Quase crônico
Edição do Autor, 35 págs.
R$ 10
Lançamento
06 de agosto de 2010 às 19h
Fundação Joaquim Nabuco – Derby
Rua Henrique Dias, 609 - Derby - Recife
Mais sobre os bastidores do livro, clique aqui:
http://www.youtube.com/watch?v=HlF9tiN6q_4
Texto colado do Interpoética
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