domingo, 10 de março de 2013

Vagalume


Estava procurando algo para ler. Encontrei na estante um livro com as páginas puídas e que nunca antes havia visto entre tantos outros. Até já assisti o Coletivo Angu de Teatro encenando uma peça inspirada nolivro Essa Febre que não Passa (2006), da pernambucana Luce Pereira. Li, com a mesma tensão narrativada escritora e me vi meio que espelhada no conto Vagalume, do qual segue um pequeno trecho:

hypescience.com


“Há dias em que se acorda noutra pele, numa disjunção absoluta entre o ser que se é e o que se obriga a coisas de natureza extravagante – aquelas que fingem nos pertencer desde a primeira célula e nos repugnam a ponto de cuspir pra dentro. Amanheci com dores de segunda-feira e até nisso havia incompatibilidade. Era um sábado errado em mim e eu decerto não acharia graça no que normalmente me cala por inteiro, porque o fim de semana já havia ido. Um dia não existe quando o queremos outro.
E eu queria continuar na cama, olhos de cortinas pretas, sem uma gota de pensamento, esvaziada e muda. Não porque algum fato me obrigasse a certo recolhimento, mas porque a ausência de fatos me bota numa conversa descarada com um deus que foge de mim o tempo inteiro e me faz levar as mãos à cabeça, questionando a minha e a seriedade dele. Não, jamais nos entendemos, e nisso está o meu desejo desajeitado de encontrá-lo. Talvez a forma não seja boa e ele não goste que eu me atreva a transformar sábados em segundas.”

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